Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Depois do banho o Escritor deitou-se. Queria dormir. Ou esquecer. Poderia ser uma as duas. Ou até as duas. No entanto, nem dormiu nem esqueceu. Uma hora depois de se ter deitado, desistiu. Vestiu umas calças velhas e em tronco nu foi até à sala. Preparou uma bebida forte e postou-se no meio da sala. Olhou em volta. As manchas de humidade no tecto não pesavam sobre ele. Meia noite. O relógio do pêndulo nunca o deixava ficar mal. Na estante encostada à parede dormiam os seus livros. Há mais de vinte anos que, modestamente é certo, vivia do que escrevia. Agora a conta no banco tinha pouco mais que o dinheiro de uma renda e a página do word continuava em branco.
Por momentos sentiu que o mundo desabava sobre ele. Da garganta saiu-lhe um uivo. Fechou as mãos com tanta força que se feriu. Depois com as mãos feridas tirou da estante todos os seus livros, arremessou-os longe, amarfanhou todos os seus papéis. rasgou as suas notas. Tudo isto numa fúria destrutiva e implacável. Quando não havia mais nada para tirar do sitio, ficou ali de pé, no meio do caos, a arfar, a baba a sair-lhe da boca e a cabeça vazia.
Ferrugem e Osso
Quando me sentei na cadeira da sala de cinema para ver o filme não sabia o que me esperava e não tinha qualquer expectativa. Por vezes é melhor assim. A mente pré-preparada pode levar-nos a não apreciar a obra como deve ser. Um exemplo: se soubermos que o filme trata de homofobia e formos contra a hbomofobia, poderemos de antemão deixar a nossa mente menos preparada para ver todos os lados da história, ou mesmo deixar de ver a mensagem que nos queriam passar.
Ferrugem e Osso é uma história muito poderosa. Bonita. Triste. Por vezes também feia. É uma história de amor pouco comum. É também sobre a sobrevivência mas muito sobre o amor. Mas acima de tudo é sobre pessoas. Quem são as pessoas quando se lhe depara algo ou alguém diferente? Como reagem? Como se sobrevive à diferença? Como se sobrevive à angustia? E à dor? Como se faz para voltar a gostar, a viver, a ser gente? Aceitamo-nos? Aceitam-nos? Perguntas. Tantas perguntas. Na manhã seguinte ainda fazia perguntas.
Saí da sala com o nó na garganta e um aperto no estômago. Apetecia-me gritar. Foi como se tivesse trazido um pouco daquela angustia comigo.
Na manhã seguinte o meu primeiro pensamento foi para a história que entretanto ainda me estava a moer por dentro.
Não vou colocar sinopse para não ser spoiler. Vão ver, onde quer que possam.
Um filme de Jacques Audiard
Minto até ao dizer que minto, de José Luis Peixoto
Por muito tempo que passe e por muito que leia outros autores, vou sempre admirar muito a escrita de José Luis Peixoto. A simplicidade com que escreve é tanta que me deixa sempre espantada com a sua capacidade de moldar as frases mais simples e fazer delas autênticas obras de arte. Não conheço mais ninguém que seja capaz de usar as palavras assim. Também é único, a meu ver, que consegue usar pontos finais antes da frase parecer ter acabado e tudo continuar a fazer sentido.
Ainda me faltava este titulo na minha colecção. Agora já tenho toda a obra em prosa e quase toda a poesia.
Só tenho pena que esta leitura me tenha demorado menos de 24 horas. De resto, fui feliz quando entrei na livraria da Estação de S. Bento esta quarta-feira.
Sinopse da wikipédia:
Minto até ao dizer que minto um conto inédito, lançado exclusivamente com a revista Visão. O conto trata de dois personagens centrais perdidos numa Lisboa deserta de lisboetas e repleta de turistas. O narrador tem uma ideia literária brilhante e rapidamente faz os preparativos para a pôr em prática. O resultado desta ideia que, segundo ele, ia abalar o mundo, fica para cada um descobrir por si próprio.
Clube de Dallas de Jean-Marc Vallée
A temática do filme é complicada de definir porque são várias as mensagens que vão surgindo no decorrer da história. Percebemos que se trata de um filme sobre homofobia, drogas, HIV e sobre os grandes grupos económicos e a industria farmacêutica. Acho que era este último o foco do realizador mas com o avançar do filme o que me passa mais pelos olhos e pelos restantes sentidos é a questão da homofobia ainda tão enraizada no nosso mundo, em pleno século XXI. Este filme é quase de época, passa-se nos idos anos 7o mas poderia bem ser por agora. Acho eu, pelo que observo pelo mundo,que ainda há muita gente homofóbica, mesmo que o não admitam. E também que há ainda muita gente pouco informada sobre o HIV. Sobretudo jovens, o que é até um contrasenso atendendo a que nunca como agora eles tiveram um acesso total a uma quantidade enorme de informação através da internet e restantes meios de comunicação disponíveis.
Achei apesar de tudo, o filme comprido demais, fazendo com que se torne chato e se acabe por perder alguma da atenção despertada no início.
De destacar a brilhante performance do Jared Leto. Muito bom num papel difícil de fazer.
Um filme de Jean-Marc Vallée
Coração de Leão de Dome Karukoski
Este não é um filme que nos passe ao lado. O racismo, a xenofobia, o preconceito e o seguidismo. Tudo isto ainda é realidade em muitos lugares do mundo. O mais assustador é que pode estar à nossa porta e um dia entrar na nossa vida.
Eu gosto dos filmes em que a mensagem mais importante é "pensa por ti". E neste é também essa a mensagem mais importante. Mais importante do que moralizar e levar-nos a ser contra ou a favor da realidade mostrada. Pensa por ti. Observa e vê.
Não vai ser fácil encontrar este filme por aí mas se o virem, não deixem de aproveitar.
Vale muito, muito a pena.
Um filme de Dome Karukoski
Fotografia de Joel Santos